quinta-feira, 3 de maio de 2007

Pagu


PAGU: VIDA-OBRA, OBRAVIDA, VIDA Antonio Risério

O nome de Pagu é ouvido pela primeira vez em 1929, quando, adolescente de 18 anos de idade, ela freqüentava o ambiente contestatório do movimento de antropofagia, comandado pela desinibição estética e cultural de Oswald de Andrade. Mais exatamente, Pagu estréia, como colaboradora, na Segunda fase – “2ª dentição” – da Revista de Antropofagia, detalhe importante, pois só nesta Segunda fornada o movimento ganha contornos e corpo, superando o ecletismo e a superficialidade de seus momentos iniciais. Bem vistas as coisas, o “antropofagismo” se posiciona na crítica radical dos descaminhos modernistas (a vanguarda de 22, àquela altura, acomodara-se) e no ataque panfletário ao complexo da civilização ocidental. Neste aspecto, aparece como manifestação pioneira, entre nós, do que Paul Robinson batizou de freudian left – “tendência oculta da psicanálise”, segundo Marcuse -, examinando, de uma visada revolucionária, a dialética instinto/cultura. Contemporâneo do herético W. Reich, o movimento define-se como tal antes mesmo de a teoria cultural freudiana receber formulação sistemática (O Mal-Estar na Civilização é de 1930) ou de surgirem os primeiros analistas brasileiros. E seu “roteiro” pode ser assim resumido: antes da “descoberta”, o Brasil conhecera a vida tribal, sem classes e sem a repressão civilizada aos instintos. A propriedade privada e as sublimações sexuais vieram a bordo das caravelas lusitanas. Desse modo, instalando-se no contexto clássico das utopias renascentistas, o movimento antropofágico prega a projeção do passado mítico no futuro da era tecnológica, sugerindo que o Matriarcado de Pindorama seja tomado como modelo para a reorganização da vida social em bases livres e igualitárias (no vocabulário marxista, teríamos o “comunismo primitivo” erigido em normal).


Em 1929, Pagu comparece na comitiva de “antropófagos” barulhentos que, indo ao Rio de Janeiro, leva uma exposição de Tarsila do Amaral. Perguntam-lhe, numa entrevista, se tem algo a publicar. Resposta: “Tenho: a não publicar: os ‘60 poemas censurados’ que eu dediquei ao dr. Fenolino Amado, diretor da censura cinematográfica. E o Álbum de Pagu – vida, paixão e morte – em mãos de Tarsila, que é quem toma conta dele. As ilustrações dos poemas, mas o Álbum de Pagu, descoberto por José Luís Gaaraldi, foi estampado na revista Código 2 (Bahia, 1975). Apresentando-o, Augusto de Campos assinalou seu feitio “oswaldo-tarsiliano”, adiantando que, embora amadorística “na expressão e no traço”, ali estava uma “tentativa rara de ligar verbal e não-verbal”, na esteira do 1º Caderno do Aluno de Poesia Oswald de Andrade (1927). De fato, nos textos e desenhos leves e livres do Álbum, longe de condicionamentos estéticos e literários, topamos com o cultivo da paródia e da “despoetização”, lirismo oswaldianamente destilado. De um lado, entre a prosa e o poema, Pagu foi surpreender a poesia. De outro, texto e traço, criou um diálogo verbal-visual (simbólico-icônico, diriam os semioticistas), tirando partido da mistura e do atrito de linguagens. Neste circuito, os sentidos se completam e se influenciam mutuamente. E há um contágio de formas: em presença do desenho, o texto é atingido pela visualidade, sofrendo um processo de iconização, para funcionar plasticamente. Assim se articula, com uma sensualidade e joys of morning, esta saudável autobiografia de juventura.


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