terça-feira, 8 de maio de 2007

Negras, mulheres e mães

Teresinha Bernardo - Lembranças de Olga de Alaketu - O livro de Teresinha Bernardo, Negras, Mulheres e Mães, que foi sua tese de livre-docência, é uma antropologia das relações raciais no Brasil, orientada segundo dois eixos: gênero e religiosidade. Com dados muito objetivos, baseados em farta documentação, a autora situa a mulher na sociedade brasileira para mostrar as condições de inferioridade com que era referida no passado recente, sobretudo nos jornais da capital da Bahia, estado usado para fazer mostrar como a mulher quando negra fica posta em condições ainda mais adversas. Mas isso todo mundo sabe ou intui. Teresinha Bernardo reafirma o desenho do quadro nada favorável para a mulher negra, mas não fica aí, avança para a sua tese. O que ela quer mostrar? Basicamente, que a mulher negra é dotada pela sua herança cultural africana ? ainda que muito diluída, às vezes imperceptível, e em grande interação, e às vezes em conflito de valores, com a cultura nacional hegemônica, própria da formação européia, branca e cristã do Brasil ? de meios sui generis de defesa e atuação. A capacidade da mulher negra de superar enormes dificuldades no curso da vida revela-se fartamente, ao longo da investigação de Teresinha Bernardo, quando a pesquisa mira o papel da mãe. Quer dizer que não dá para entender completamente o lugar ocupado pela mulher negra na sociedade brasileira contemporânea sem considerar, padrões de comportamento e sentimentos que ligam a negra à maternidade. A apreensão dessa condição particular da mulher negra como mãe, provedora e amante é buscada pela Autora na análise do pensamento africano e afro-brasileiro configurado no mito. A religiosidade afro-brasileira é a dimensão em que tal apreensão se mostra mais completa, levando Teresinha Bernardo à reflexão sobre o candomblé e suas mulheres, suas mães, suas mães-de-santo. Olga Francisca Régis, Olga de Alaketu, a ialorixá brasileira que está há mais tempo à frente de uma comunidade de candomblé, é a escolhida metodologicamente pela Autora como símbolo e representação dessa mulher, negra e mãe. Ao se revelar aos leitores a história pessoal e institucional da mãe do Alaketu, expondo suas dimensões míticas, seu caráter e suas estratégias, a mulher genérica de que trata o livro vai se desenhando com grande nitidez e sentido. Resta finalmente passar da mulher quase mito, que é Olga, para a mulher comum, pobre, trabalhadora e anônima. É do que trata o capítulo final, povoado de mulheres do povo, sobretudo de São Paulo, permitindo conclusões que lançam novas luzes sobre os estudos da mulher, da religião e das relações raciais. Por isso este livro interessa aos estudiosos dessas temáticas, que são fundamentais para a compreensão da sociedade brasileira. Mas interessa também, e sobretudo, aos negros em geral e às mulheres negras em particular, que ainda enfrentam condições muito difíceis na construção de sua identidade e na sua luta pela plena e justa integração numa sociedade que se construiu situando-os à margem. Os interessados em religião e cultura afro-brasileira também ganham com o livro. Ganhamos todos, enfim. 193 pg. ISBN 8534703590

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