sábado, 15 de novembro de 2008

Coisas de homem e de mulher


"Homem com homem, mulher com mulher, faca sem ponta, galinha sem pé...

" Essa era uma cantilena de criança dos anos 1950 que sempre se ouvia quando a intenção era separar brincadeiras de meninos de brincadeiras de meninas.

Décadas depois as coisas mudaram, mas... nem tanto. O mundo ainda se divide em coisas de homem e de mulher. A candidata republicana a vice-presidente dos EUA, Sarah Palin, que o diga!

Como peça de sua campanha, um cartaz a exibe de turbante e o gesto do braço ostentando o muque. Esse cartaz, que recupera uma imagem usada durante a Segunda Guerra, sugere que ela é máscula para ir à luta e trabalhar. O gesto e o muque são coisas de homem. Política, ainda hoje, é coisa de homem.

Em contraste, sua popularidade de roubar a cena do candidato principal se deve ao fato de ela ser jovem e bonita. Ex-miss, além de ter virado boneca e seus óculos serem vendidos no Japão e nos Estados Unidos, fez milhares de fãs entre os jovens.

Não apenas entre eles.Se ela não fosse bonita, não teria todo esse sucesso. Assim como são atributos masculinos a força física e a truculência, que parecem necessárias ao jogo do poder, a beleza continua marcada como um quesito fundamental para as mulheres.

O contra-senso é que ela quer ser eleita, sugerindo que porta os atributos masculinos. Não bastasse o cartaz, ela mesma se diz um pitbull de batom. Seus eleitores, porém, não estão pensando em política. Vêem nela a fêmea. Bela e sensual.Parece que em lugar nenhum se leva a política a sério. Nas palavras de Heidegger, temos a tendência a "ver por alto" e a saber de tudo por "ouvir falar".O que vale são as aparências.E são essas aparências que fornecem os critérios para que se julgue as mulheres.

Toda qualidade feminina estaria nelas: cabelos, sapatos, corpo, roupas, caras e bocas. No nosso mundo, apesar de esforços, o lugar das mulheres é ainda a superfície. E seu valor está no desejo que provoca nos homens.Assim, toda mulher que quiser alguma posição na política ou em qualquer outra área, deverá parecer ser bonita, doce e sensual, mas, para se manter aí e fazer alguma coisa, precisará agir como um homem.

Cá entre nós, o feminino da mulher não é só beleza e sensualidade -tendência para a harmonia, capacidade de unir sensibilidade e inteligência, plasticidade, sobrepujar a compreensão do todo sobre o enfoque do específico e resistência à dor são alguns dos modos de ser feminino que vêm sendo amoldados ao longo da história.Por que esses modos de ser femininos precisam ser abortados quando se trata do poder?

O pai de uma grande amiga dizia que, na sua casa, a cabeça era ele, mas sua mulher era o pescoço. São poderes complementares. O que seria de uma cabeça sem o pescoço?E como seria a política se ela fosse feita no feminino? Certamente, não seria a de um pitbull com batom. No entanto, essa é uma descoberta ainda a ser feita. Melhor, essa é uma atitude ainda a ser tomada. É uma história a ser construída.
fonte:folha de sao paulo

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